A categoria de mais alto luxo das montadoras alemãs é muito mais conhecida pelo recheio de tecnologia, conforto e ergonomia interna, do que por suas pretensões esportivas.
De fato, essa era uma máxima até o fim da década de 90, quando a Audi e a Mercedes aventuraram-se nos nichos S-line e AMG com seus super sedãs.
Porém, isso quer dizer que os modelos mais ordinários devem ser reservados para aqueles que utilizam o Jarbas no banco dianteiro? Não necessariamente.
Já vimos que o atual Mercedes Benz S500 pode entreter atrás do volante. Não vamos nos esquecer da veia esportiva da BMW série 7. Agora, será que o atual Audi A8 e o eterno conflito de identidade da marca, entre ser menos luxuosa que um Mercedes Benz e menos esportiva que um BMW, consegue despertar algo dentro das calças?
HISTÓRIA DO AUDI A8
Na década de 90, a Audi estava cansada de ver o binômio Classe S e Série 7 papar sozinho o mercado. Em uma época que SUVs ainda não eram relevantes, não havia símbolo de prosperidade automotiva maior do que um grande sedã alemão.
Surgia, em 1995, o Audi A8. O grande mérito foi o uso massivo de alumínio da carroceria, que resultou no carro mais leve e ágil da categoria. Motor V8, tração integral Quattro e toda tecnologia possível para um Audi.
Mais tarde veio a versão S8, imortalizada no filme Ronin e, até onde eu me recorde, o primeiro grande sedã alemão a ter um modelo de série esportivo.
Em 2003, uma nova geração. Em especial as rodas desse modelo povoaram o sonho erótico automotivo de muitos donos de Audi A3 e Golfs da época. Se a BMW Série 7 havia sido um hit no primeiro filme da franquia Carga Explosiva, na segunda, Jason Statham ostentaria um Audi A8, dessa vez, W12.
Realidade seja dita, o A8 sempre teve seus méritos em cada uma de suas gerações, mas nunca foi a galinha dos ovos dourados na categoria, posto que sempre foi ocupado pelo Mercedes Classe S.
Estamos em 2014, será que essa supremacia da estrela prevalece?
Infelizmente, em algum momento do começo dos anos 2000, a BMW perdeu a mão com o seu Série 7. A derrocada veio em 2002, com a famigerada era Bangle e o primeiro iDrive. Desde então, o BMW luta para recobrar o status quase cult que teve na década de 90.
ERGONOMIA, ACABAMENTO E CONFORTO
Antes de entrar na parte de tocada mesmo, qualquer análise que se preze sobre esse tipo de carro tem que considerar a ergonomia, o conforto e o acabamento, afinal, são a vitrine do melhor que as marcas podem fazer.
Tudo o que uma Classe S 2015 tem, pode ter certeza que você vai encontrar dentro do Audi A8. Massageador nos bancos? Sim. Nos traseiros também? Certamente. Assentos executivos com regulagens múltiplas? Com certeza, para ambas as fileiras de bancos. Central de multímidia de última geração… Blá bla bla… Pense, e ele terá.
E o acabamento? Chique, simplista e refinado como manda o figurino.
O problema no aspecto amenidades para os ocupantes e acabamento não é com o Audi em si, mas sim a existência da atual Classe S, que consegue ser marginalmente mais moderna, mais tecnológica e melhor acabada. Pode ser que haja um “quê” de subjetividade na minha avaliação, mas convido quem tiver a oportunidade a fazer o mesmo exercício.
No quesito ergonomia, a diferença aumenta em favor da atual Classe S. Dentro do A8, apesar da central “faz tudo” no console central, há um mar de botões, algo como se a Audi dissesse: “Ok, talvez minha central de multimídia não seja tão intuitiva assim, pode usar os botões ao lado“. Isso se tornou uma distração. Por diversos momentos e eu olhava para o painel procurando o controle do rádio ou do ar condicionado.
Nesse aspecto, é como se o Audi fosse tudo de bom e do melhor do anos 2000, enquanto que a Classe S mergulhou de cabeça nas futuras tecnologias.
MOTORIZAÇÃO E PARTE MECÂNICA
Motor V8, 4.0 e turbo com injeção direta de combustível. Esse conjunto rende 435 cvs a 5100 rpms e 61 kgfm de torque a partir 1500 rpms (estáveis até 5500 rpms), tudo isso para movimentar 1920 kgs (seco). O câmbio ainda é um automático da velha guarda, com conversor de torque, tiptronic de 8 marchas.
Tração, como não poderia deixar de ser, é integral – a famosa Quattro. O motor é posicionado em cima do eixo dianteiro. A direção é com assistência elétrica.
São quatro modos de condução para você selecionar – efficiency, comfort, auto e dynamic.
No modo efficiency, a ideia é eficiência, conforto e baixo consumo. Tudo feito para alegrar as normas europeias de emissão de poluentes. Start stop bombando e metade da bancada de cilindros pode ser desativada. Curiosamente, mesmo andando nesse modo, fiquei impressionado com o trabalho da Audi, pois o carro não se comporta como um “completo porco letárgico preguiçoso”. Ok, esse não é o modo feito para despertar fortes emoções dentro das calças, mas também não vai tirar totalmente a sensibilidade do carro do motorista.
No modo comfort, as coisas ficam mais felizes, não tão eco friendly, mas apenas o suficiente para dar um pouco mais de vigor para o titânico A8.
Andando no auto, a ideia é o carro se adequar às suas preferências automaticamente.
Para falar da tocada de um imóvel de cerca de 5 metros e 2 toneladas, o certo é selecionar o modo dynamic e encarnar o Jason Statham dentro de você.
A TOCADA
A primeira palavra que vêm à mente é: intrigante.
Levando em conta as dimensões do carro, obviamente você não esperaria um nível interessante de interação com o motorista e qualquer tentativa mais incisiva de provocar os limites seria recompensada com uma intervenção proporcional das assistências.
Qualquer semblante do que é “grip mecânico” não passaria de uma simulação feita para entreter ricos, gordos e preguiçosos em busca de argumentos para satisfazer seus egos.
Olhando friamente para a configuração do A8, você poderia supor que a receita do desastre estava pronta no clássico estilo Audi de ser: motor posicionado bem em cima do eixo dianteiro e direção elétrica sempre resultaram numa das piores sensibilidades possíveis atrás do volante.
Será que essa expectativa teórica se comprovaria na prática?
Sonoramente: NÃO!
Ao selecionar o dynamic, o acelerador fica com a resposta aprimorada e a direção, assim como a suspensão, endurecem marginalmente. O suficiente para me fazer sentir melhor a via, mas sem me deixar esquecer que estou a bordo de um carro luxuoso e confortável.
No primeiro flerte mais agressivo com o acelerador, os giros sobem e, por volta dos 2000 rpms, minhas costas colam no banco. Essa sensação agressiva, até então, a atual Mercedes S500 não havia me mostrado. Curiosamente, o acelerador do A8 tem um nível de resposta que deveria ser copiado nos modelos mais baratos da marca. É o melhor conjunto que experimentei em um Audi pós 2010.
O câmbio parece se esquecer que é um tiptronic, alcunha até então reservada à mediocridade das caixas automáticas. As borboletas atrás do volante são extremamente obedientes, apesar de longe de qualquer tipo de violência, pipocos ou estrondos. Uma mistura muito boa de conforto com interatividade e perfeita à proposta do A8. Honestamente, as respostas manuais dão uma aula para a Benz S500.
Os freios são sensíveis e transmitem extrema segurança. Em nenhum momento tomei sustos. Mesmo quando sabia que poderia estar abusando do conjunto, jamais cheguei a sentir qualquer sinal de perda de eficiência, pelo contrário, conseguia modular exatamente a intensidade da frenagem pretendida.
Se há um aspecto que não esperava nada de bom era a direção, porém, fui surpreendido. Não chegaria ao ponto de dizer que é comunicativa como em uma Lotus, mas é acima do padrão que conheço da marca. Estava conseguindo decifrar muito bem a hora em que aquele nariz pesado perderia tração.
Freiar, apontar e acelerar, deixando a tração QUATTRO atuar sempre foi uma marca registrada dos Audis, especialmente os S e RS, mas quem diria que o Jarbas terá ocasiões em que poderá experimentar satisfatoriamente esse exercício a bordo dessa limosine da Audi?! Pois é, o A8 é delicioso para um carro com essas dimensões.
Conduzimos a avaliação em um local que é uma paraíso para os Civics SI, onde números exorbitantes de torque e potência não se comparam nada a baixo peso e equilíbrio. O Audi A8 tinha tudo para ser o “o gordinho sem camiseta na praia”, mas, ao contrário, o gigante gentil mostrou uma desenvoltura que nunca vi na categoria, nem mesmo nos AMGs que dirigi equiparados.
Confesso que quero dirigir a nova Mercedes S63 AMG para ver o que está no menu, pois, em termos de interação ao volante, uma “simples” Classe S deixa a desejar perto do atual A8.
CONCLUSÃO
Quer dizer que o A8 seria o carro da categoria que eu colocaria na minha garagem?
Essa é uma pergunta muito complexa para responder simplesmente sim ou não.
Pelo aspecto visual, há quem prefira a sutileza e limpeza das linhas do A8. É um carro discreto e que não sugere o preço que custa à primeira vista. Dificilmente as pessoas vão olhar para você e fazer uma associação do tipo “milionário” passando. Não é um show stopper, muito menos um carro notoriamente conhecido nas ruas brasileiras. Para muitos, isso é um grande atrativo em nossa realidade.
Pelo aspecto tecnológico, ainda acho que o A8 pode melhorar. Ele ainda lembra a última geração desses carros. Há muitos botões paralelos com as mesmas funções da central no painel. Muita distração e que empobrece a ergonomia.
No quesito acabamento e luxo beira à blasfêmia criticar um carro dessa estirpe e não vou fazê-lo, mas, novamente, um “quê” de século XXI mais evidente ia bem.
Em todos os aspectos listados nessa conclusão, a Mercedes Classe S é um carro superior, porém, não vamos nos esquecer que, como carros, um dia você vai querer dirigir e, nesse momento, o Audi é a escolha mais acertada.
No final, se tiver a oportunidade, experimente os dois. Certamente com intenções de compra nenhum vendedor vai deixar de fazer isso acontecer.