Apesar de ser grande admirador de Ferraris, confesso que os carros da marca não seriam minha primeira opção na hora de escolher um esportivo para ocupar um local permanente na minha garagem.
Há muitos inconvenientes em “ter” uma Ferrari aqui no nosso país. Primeiro, as Ferraris são, na minha opinião, carros muito delicados. Segundo, são carros de manutenção muito cara. Terceiro, custam muito dinheiro para o que oferecem. Quarto, a ideia de botar tanto dinheiro em um carro e “apanhar” para conseguir uma cobertura de seguro me traz arrepios, ainda mais considerando a “qualidade” do nosso trânsito.
Porém, isso não quer dizer que as Ferraris não sejam carros especiais.
Minha experiência mais recente a bordo dos carros da marca se resume à F355 e a 458 Itália. Com a primeira, levando em conta que se trata de um carro clássico, apesar de ter sentido o carro, todo cuidado foi pouco. Já com a segunda, tive a chance de experimentar tudo o que uma Ferrari moderna pode proporcionar.
Curiosamente, apesar da 458 Itália ser um carro esportivo quase sem nenhum defeito, repleto de todas as tecnologias de alta performance modernas, ainda assim, achei a experiência a bordo da F355 mais especial. O fato de estar dirigindo um carro que foi um dos “super-heróis” da minha infância, bem como a chance de brincar com aquela “grelha”, engatando uma marcha atrás da outra colaboraram bastante para isso.
Faltava-me experimentar o que seria sentir o ronco de um V8 Ferrari acoplado com um belo câmbio manual com mais espaço para acelerar! Isso aconteceu recentemente, graças à Just Drive, empresa localizada na Cidade de Itu/SP, que aluga uma série de carros esportivos (a quem deixo meu mais sincero agradecimento por essa chance).
Dentre os carros disponibilizados pela Just Drive, estava uma magnífica F360 Modena 2001, em estado incrível de conservação. Pouco antes de entrar no carro, uma pergunta que eu sempre tinha comigo quando o assunto eram Ferraris mais antigas era: “se você tirar o ronco de uma Ferrari dessas, o que sobra?” Essa pergunta sempre me cutucou, pois ainda estava por experimentar o que, de fato, é uma Ferrari mais antiga sob condições mais fortes de pilotagem.
Vamos aos dados técnicos: A 360 Modena é equipada com um motor central 3.6 e V8. Esse conjunto produz 400 Hp a 8500 rpm e 38 Kgfm a 4750 rpm. A Modena é capaz de ir de 0 a 100 Km/h em 4,3 segundos e atingir a máxima de 295 Km/h. Tudo isso em um conjunto que pesa 1390 Kgs (com fluídos). Pode não parecer muito para os padrões modernos, mas, para o começo dos anos 2000 era algo surreal.
POSIÇÃO DE DIRIGIR
Comparativamente à Ferrari F355, a Modena é uma tremenda evolução. O motorista senta em uma posição mais de pilotagem que no modelo antecessor. O alinhamento dos pedais de freio, embreagem e acelerador, assim como da direção, é mais favorável.
Você consegue uma posição de dirigir mais agressiva, mas, ao mesmo tempo, mais confortável que na F355. Os bancos, apesar de contarem com mais suporte lateral, são mais confortáveis e “destroem” menos o motorista. Eu brinco que a bordo da 355, dependendo do seu tamanho, a posição de dirigir lembra muito a de um kart. Na Modena você parece estar a bordo de um carro esportivo mesmo. Na F355 você parece sentar meio “solto” no carro, coisa bem característica de alguns esportivos da década de 90, enquanto que a Modena parece lhe abraçar.
DIRIGIBILIDADE
A experiência em si de dirigir um carro equipado com câmbio manual é muito mais “analógica” do que se o carro fosse equipado com qualquer outra caixa semi-automatizada.
Se os engates na F355 exigem uma certa dosagem de firmeza nos comandos do motorista, na 360 a vida ficou mais fácil. Os engates são muito mais lisos na Modena. Se por um lado isso é bom, por outro, exigirá que o motorista preste muita atenção para não errar as marchas.
A embreagem da Modena também é mais apta ao uso civilizado do que a da F355. Você realmente consegue conviver melhor com o peso e sensibilidade da embreagem da Modena sob uso cotiadiano.
Outro ponto distinto da Modena em comparação a F355 está no diâmetro da direção. Enquanto que na F355 o volante é demasiadamente grande, na Modena o diâmetro foi notavelmente reduzido. É notável que as respostas da direção são mais diretas e rápidas que no modelo antecessor, porém, requerem um pouco mais de força, haja vista que a calibragem é mais pesada. Outro ponto que merece elogios está na capacidade da direção transmitir muito bem o que se passa com o carro sobre os mais variados tipos de piso.
Os freios da Modena, por sua vez, merecem um pouco de crítica. São facilmente suscetíveis de fadiga. E notem: em nenhum momento testei o carro dentro de um autódromo. Após algumas subidas mais incisivas nos freios do carro, vindo de velocidades acima dos três digitos, foi possível notar uma relevante perda de eficiência do conjunto.
CHASSI E SUSPENSÃO
O percurso feito com a Modena foi suficiente para mostrar como o carro, apesar de rígido, pode ser versátil comparativamente aos modelos que a antecederam. A Modena fica a uma altura ligeiramente mais alta do chão em relação às Ferraris 348 e 355. O chassi de alumínio mais rígido também colabora para facilitar a vida de quem vai a bordo.
Essa mistura de um chassi mais rígido com uma suspensão mais alta (e confortável) que a F355 fazem com o que o carro consiga trafegar com mais segurança sobre pisos irregulares. Agora, longe de mim falar que a Modena seja um “barco” na tocada. O carro ainda é rígido, baixo e duro. Na estrada, porém, sob condições de direção mais agressiva, o conjunto de chassi e suspensão mostraram-se sublimes!
ACABAMENTO E ERGONOMIA INTERNA
Quem liga para acabamento quando se está a bordo de uma Ferrari?! Eu, rs! Como fiquei muito tempo dentro do carro pude observar algumas coisas inquietantes. O interior da Modena consegue mesclar altíssima qualidade com coisas muito pobres. Por exemplo, o revestimento de couro do interior do veículo (bancos, painéis etc.) é de altíssima qualidade. Porém, a qualidade dos plásticos deixa muito a desejar, merecendo, inclusive, uma honrosa menção o relógio dentro da cabine, próximo ao teto, que parece ter saído de alguma fábrica de eletrônicos falsificados no Paraguai.
A EXPERIÊNCIA
Meu grande amigo do Exclusivos no Brasil, havia acabado de dar ignição na Modena quando saímos para dar uma volta. Imediatamente, assim que o 3.6 V8 equipado com o escapamento TUBI acordou, o pouco diálogo a respeito do carro até então existente, deu lugar ao estrondoso e melódico ronco do carro. Alguns minutos sem palavras se seguiram até que, não me lembro qual de nós, resolveu retomar o assunto.
Do banco do passageiro, fui derrubando um a um os preconceitos que tinha a respeito da 360 Modena. Sempre a achava apenas um carro com um ronco fenomenal, mas sem grandes pretensões dinâmicas. A primeira sensação é de como o carro passa confiança e, ao mesmo tempo, é épico, conforme os giros sobem.
A hora que me acomodei no banco do motorista, dei ignição e engatei a primeira marcha na italiana, deslocando-a lentamente, me veio a mente novamente aquela cena famosa do filme “Perfume de Mulher”, em que o Coronel Slade, um ex-militar cego, começa a dirigir uma Ferrari por ruas desertas de Nova Iorque. O que se passou alguns estantes depois foi uma das melhores experiências automobílisticas da minha vida.
Por alguns quilômetros, as condições da via não me permitiram explorar o carro ao máximo, mas me permitiram aprender a fazer um punta tacco direitinho na Modena. O aslfato acidentado juntamente com inúmeras curvas cegas só me permitiam brincar com a segunda e terceira marcha. A cada curva que se aproximava, uma cutucada no freio, embreagem pressionada e calcanhar no acelerador… deslizando suavemente a manopla do câmbio de terceira para segunda, ouvindo aquela sinfonia magnífica do V8 da Ferrari. Curvas de baixa velocidade feitas com louvor pela Modena, realmente derrubando todo os meus pré-julgamentos sobre a performance dinâmica da Modena.
Entramos em uma via de “maior liberdade” para explorar a força da Modena em sua plenitude. Assim que saí da alça de acesso, entrei de maneira inspirada puxando uma segunda marcha e indo para a pista da esquerda. Imediatamente, meu pé direito é tomado por um impulso incontrolável e afunda o acelerador… 8700 rpm… terceira marcha… pé no assoalho… quarta marcha… TRÂNSITO A MINHA FRENTE, piso no freio e emendo um punta tacco, que tenha sido talvez o mais emocional de toda a minha vida. Estou sem palavras, completamente imerso em adrenalina, rindo como um bobo, feliz como se tivesse voltado a ser aquele adolescente que passava horas vendo vídeos sobre esses carros durante minha infância.
CONCLUSÃO
O que se passou pelas próximas horas foi simplesmente algo mágico. Há muito tempo que não estava a bordo de um carro e sentia tamanha sensação de satisfação e felicidade. Não que carros modernos não me divirtam ou me surpreendam, mas sinto que falta neles o aspecto emocional, algo que mexe com você ali nas suas entranhas.
As tecnologias dos carros modernos são muito bem vindas, pois reduzem o número de acidentes e permitem cada vez mais que motoristas comuns sejam capazes de domar carros muitas vezes equipados com duas ou três vezes mais potência que veículos de passeio comuns. Qualquer um consegue entrar a bordo de uma 458 Itália, de um Nissan GTR ou de um Porsche 911 Turbo 2010 e dirigí-lo razoavelmente rápido.
O mercado requer isso. Infelizmente, se as montadoras de carros esportivos fossem fazer carros somente tendo em mente os puristas, aqueles que apreciam um bom e velho câmbio manual ou um carro onde o melhor controle dinâmico está entre a direção e o banco, estariam todas falidas. Triste realidade.
Foi-se aquele tempo em que ter um esportivo era muito diferente de dominá-lo. Não é à toa que cada vez mais as pessoas que compram os esportivos modernos passam alguns meses com seus carros até que simplesmente enjoam. Afinal, não há mistério, não há curva de aprendizado, não há mais o “fator recompensa”.
Hoje, carro esportivo não pode ser apenas divertido. Ele tem que ser eficiente, poluir pouco, não fazer barulho, consumir pouco combustível e apelar para uma gama muito maior de consumidores… aquele consumidor que antes se sentia intimidado por uma caixa de câmbio manual ou embreagem pesada. A palavra “desafiador” não pode mais ser um predicado de um carro esportivo.
Sempre me disseram: “Korn, você não tem idade para ser tão saudosista assim”. Realmente, talvez eu não seja tão velho assim, mas digo com todas as palavras que prefiro muito mais a experiência por trás do volante dos carros fabricados até meados dos anos 2000 do que aquilo que senti a bordo de qualquer esportivo moderno.
Hoje, coloco a experiência de tocar a 360 Modena mecânica entre as 5 melhores experiências automobilísticas que já tive na minha vida (não vou falar quais são as outras… talvez em um outro post). É um carro que vale a pena da hora da ignição até a hora que você está parado ao lado dela na garagem, extasiado por tudo que acabou de acontecer.
Olá korn !
Depois faz um post com as suas 5 melhores experiencias automobilisticas !