Toda vez que eu sento no banco de motorista de um carro esportivo a primeira pergunta que eu procuro responder é: qual a proposta daquele modelo específico?
Isso é muito importante, pois dá a quem avalia algo muito importante: contexto! Dependendo da proposta, um modelo específico atrai um tipo de comprador e espanta outros. Por isso eu digo, uma coisa é um carro ruim e outra coisa é um carro avaliado sem levar em conta o público alvo.
A esta altura você deve estar se perguntando por que cargas eu estou falando desse assunto em um review sobre um carro esportivo? Simplesmente pela razão que se você não levar em conta a proposta do Mercedes Benz SLS AMG você corre o risco de sair por aí falando mal de um carro que é brilhante em muitos aspectos.
Em termos de mercado, o comprador de um carro esportivo que dispõe de algo entre 500 e 700 mil reais tem a disposição uma série de carros esportivos excelentes… vejamos: Audi R8 V10, Nissan GTR, Porsche 911 Turbo e o Mercedes Benz SLS AMG. Se a carteira não é um problema, podemos jogar na equação o Lamborghini Gallardo (e suas milhares variações), a Mclaren MP4-12 C, a Ferrari 458 Itália, o Bentley Continental GT, Maserati Gran Turismo e o Aston Martin DBS.
O que esses modelos tem em comum? Estão todos no panteão logo abaixo dos hiper cars, formando um time de carros esportivos com mais de 500 cvs e com números incríveis de torque. Todos são dois lugares… e… PAREMOS POR AÍ!
Algo que sempre me incomoda na mídia automotiva é a tendência de comparar modelos tão diferentes entre si simplesmente com base em desempenho ou preço quando cada um tem uma PROPOSTA. Realidade seja dita, são animais muito diferentes entre si – posições de motor, trações, câmbios de dupla embreagem ou manuais… cada qual preza por uma determinada característica, portanto, comparações acerca de qual é mais rápido, para mim, não fazem muito sentido.
Antes de dirigir a SLS eu confesso que eu não sabia responder exatamente a proposta do carro. Tinha dúvidas se estava diante de um carro afiado e completamente comunicativo, pronto para atacar curvas com facilidade ou se era um carro tipicamente GT, que vai me levar por longas distâncias, com muito conforto e em uma velocidade impressionante… Depois deste review, vocês vão ver a minha conclusão!
UMA RELEITURA DO PASSADO
Nessa onde de design retrô, inspirados em clássicos do passado, a Mercedes Benz viu uma excelente oportunidade para trazer de volta à vida o que muitos consideram o primeiro super carro esportivo da história do automóvel – o 300 SL Gullwing, fabricada entre 1954 e 1963.
Hoje em dia, uma Gullwing como a da foto acima custa em leilões de colecionadores pelo mundo algo entre US$ 700.000,00 e US$ 1.000.000,00 em geral e algumas versões mais raras já atingiram a quantia de US$ 4.600.000,00. As versões de corrida deste modelo foram extremamente bem sucedidas em Le Mans na década de 50.
Como uma lenda do mundo automotivo, recriar um clássico não seria uma tarefa muito simples. Mas, quando o produto final apareceu, estávamos de cara com um carro que, pelo menos no papel, tinha todos os ingredientes para ser lendário… Será que realmente é ou será? Vejamos nos próximos parágrafos.
O MERCEDES BENZ SLS AMG
O SLS foi lançado para o mercado mundial em meados de 2010, inclusive, me recordo da reação das pessoas presentes no lançamento do carro no Brasil. Estava presente na festa em uma das concessionárias na Cidade de São Paulo e, naquela noite, era difícil não encontrar alguém impressionado pelo design do carro.
Agressivo nos detalhes, sutil na silhueta e aquelas portas… ahhh aquelas portas… a reação inicial foi altamente positiva e, realmente, o carro, até hoje, é magnífico de se olhar. Quando o carro entrou no showroom daquela concessionária, o ronco do motor V8 bufando em alto e bom som deixava claro que o carro era muito mais do que só visual. Até aqui, na minha cabeça, a SLS era o lançamento esportivo da década. Ousada e magnífica.
Em termos mais técnicos, o SLS é o primeiro Mercedes Benz completamente desenvolvido pela AMG, a escola de performance da marca. Debaixo do capô, o SLS ostenta um motor 6.28 litros, V8, que produz 571 Hps a 6750 rpm e 66,2 Kgfm de torque a 4750 rpm. Junte a isso o câmbio AMG Speedshift DCT 7, de dupla embreagem. Tração traseira, como um legítimo esportivo deve ser. Sem turbos ou superchargers, apenas pura e bruta cilindrada de motor! Tudo isso espalhado em 1620 Kgs.
Em termos de perfomance, a Mercedes declara que o SLS é capaz de ir de 0 a 100 Km/h em 3,8 segundos e atingir a velocidade máxima de 317 Km/h. O quarto de milha (400 metros) é percorrido nos 11 segundos altos a cerca de 200 km/h (há múltiplos resultados disponíveis).
Mas, como sempre digo, a frieza dos números nunca fará jus às sensações por trás do volante, na hora da tocada.
ENTRANDO NA SLS
Sim, esse é um momento muito importante! Estamos tão condicionados a abrir portas convencionais que quando nos deparamos com as “asas de gaivota”, é difícil não curtir bastante o momento! Curiosamente, olhando de fora, as dimensões parecem sugerir que o carro deve ter uma cabine razoavelmente espaçosa para os dois ocupantes. Engano meu!
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Apesar de ilustrar um modelo para o mercado britânico, essa foto mostra muito bem o “degrau” na entrada da SLS. |
Para entrar, depois de levantada a porta, é preciso colocar primeiro a perna direita e depois a esquerda, devido ao ressalto no assoalho do carro, onde a porta se encaixa. A hora que meu corpo encosta no banco, por alguns momentos, eu me sinto extremamente confortável e observo a qualidade do acabamento do carro – simplesmente Mercedes Benz, ou seja, tudo no carro é de primeira qualidade, aços escovados, couro incrivelmente macio e liso… plásticos? ESQUEÇA. Central de multimídia simplesmente no melhor padrão possível. Realmente, o acabamento é condizente com um carro que custa cerca de R$ 700.000,00, sem falhas ou defeitos.
Chegou a hora de fechar a porta para começar a “parte divertida”… Fecho a porta levemente e ainda bem que o fiz dessa forma, caso contrário, tenho certeza que a pancada na minha cabeça teria sido forte. Mesmo depois de ajustar o banco ao máximo para baixo, ainda assim, me senti incomodado com a proximidade que o teto do carro fica da minha cabeça, rs. Notem, eu tenho singelos 1,85 metro de altura. Eu estava usando um boné no dia e preferi tira-lo e dar para o meu amigo, proprietário do carro, segurar, rs. Quem viu de fora deve ter visto um imbecil descabelado pilotando um carro exótico.
Se fosse somente o inconveniente da altura da cabine, estaria tudo bem. Porém, com as portas fechadas, pelo menos para mim, o carro ficou um tanto claustrofóbico. Demorei alguns instantes para me acostumar com a sensação. Graças a deus aquele V8 AMG estava lá para me fazer ignorar o meu tamanho dentro do cockpit da SLS.
Fui manobrar o carro para sair da vaga e novamente me surpreendo – como o carro é longo! Realmente, requer um dose de coragem e paciência para tirar a SLS de locais mais apertados. Graças a deus, não é necessário olhar para atrás, pois há uma câmera de alta resolução que salva a sua vida.
Portanto, até aqui, pelo menos, a SLS dá a tônica de que apesar de toda a modernidade que ela tem em suas entranhas, ela ainda tem a impraticabilidade dos antigos carros. Ou seja, retrô não somente no visual, como também na sensação inicial atrás do volante! Começo a pensar: isso vai ser especial!
No que saímos do local onde estavamos estacionados, viro à direita e eis que encontro a primeira reta!
DIRIGINDO A SLS
Farol fechado. Ninguém atrás… ninguém na frente… um carro de cada lado da SLS. É acho que era hora de ver o que os 571 Hps e 66 Kgfm de torque representam na prática. Modo mais esportivo selecionado – trocas de marcha no modo estúpido, respostas de acelerador e direção no modo mais direto possível…3…2…1 pedal to the metal… Lá vamos nós, o ronco gutural do V8 AMG invade a cabine, a luz do controle de tração acende como se fossem fogos de ano-novo na minha frente e o carro dispara… noto a SLS procurando desesperadamente por aderência e, quando acha, consigo sentir na plenitude a força do carro, primeira, segunda e terceira marcha vem instantaneamente – DESCOMUNAL. Olho para o meu amigo e começamos a dar risada! Que sensação deliciosa!
O mais legal do carro ser aspirado é justamente o processo de conseguir sentir exatamente o que se passa nas acelerações mais bruscas. Obviamente, a força G de um carro sobrealimentado, como um Porsche 911 Turbo PDK ou Nissan GTR, é maior, mas, diferentemente desses modelos, você não fica perturbado pelo que acabou de acontecer após uma acelerada vigorosa, você sente a curva de torque mais linear na SLS, os giros aproveitam muito bem o torque esparramado pelos rpms de um motor de bloco grande.
Até aqui, excelente, e começo a achar o SLS incrível. Mas, como meu próprio amigo e proprietário diz, você precisa aprender a gostar da SLS. Eu nunca entendia essa frase dele, mas, conforme meu grau de entusiasmo com aquela primeira acelerada diminuiu, eu consegui compreender o que ele sempre quis dizer.
A realidade é que muito embora o carro tenha toda essa força descomunal, a SLS não é propriamente um carro esporte cirurgicamente preciso. Não duvido que nas mão de um bom piloto o carro seja mais do que capaz em qualquer autódromo do mundo, mas, nas minhas mãos, o carro é um GT, ou seja, um carro Gran Turismo, talvez o melhor que eu conheça, capaz de me levar por estradas por horas em estradas a velocidades de cruzeiro ridículas!
Direção. Quando comecei a prestar atenção nos detalhes de tocada do SLS AMG, a primeira coisa que eu notei foi a direção. A direção é muito precisa, rápida e direta, você aponta e a frente do carro obedece como um cão adestrado. Por outro lado, ela não transmite absolutamente nada do que se passa no piso por onde o carro passa.
Quando eu tenho 571 Hps e 66 Kgfm de torque sob o meu pedal da direita, eu gostaria de ter um pouco mais de sensibilidade do carro, ainda mais tendo em vista o quanto a SLS procura de maneira ensandecida condições adequadas de aderência para despejar sua força. Eu não quero que o computador resolva, eu quero ser capaz de sentir essa experiência em um carro esportivo.
Outra coisa que me incomodou ligeiramente foi o peso da direção mesmo no modo mais agressivo de configuração. A direção de um carro esporte nesse modo tem que ser mais pesada. O carro não é pequeno, muito menos dos mais leves!!! A resposta da direção no modo sport plus do carro é realmente mais afiada, mas a direção continua parecendo a de um carro de passeio comum.
Resposta dos pedais. Em um aspecto eu tenho que dar muito crédito para os engenheiros da AMG – a resposta de acelerador desse carro no modo sport plus é simplesmente a melhor resposta que eu já senti em um carro esportivo moderno com acelerador eletrônico. Os concorrentes precisam tomar nota já, é quase como um bom e velho acelerador a cabo!
Os freios são excelentes, estancam o carro com uma precisão e sensibilidade aos comandos do motorista no pedal incrível.
Chassi e suspensão. Eu não tenho o que reclamar da rigidez de chassi da SLS. Realmente, o carro tem um chão fenomenal. A suspensão também cumpre seu trabalho muito bem. Rodando tranquilamente por ruas mais esburacadas, o conforto do SLS é equivalente ao de qualquer sedã da marca, ressalvadas as devidas proporções.
Porém, no modo mais agressivo de condução, se mostrou bem arisca. Em algumas curvas eu me via constantemente andando sob uma navalha… ao menor sinal de um contato mais incisivo no acelerador ao sair do apex, lá vinha a traseira dar boa tarde. Um mero toque no acelerador e o carro gosta de soltar aquela traseira! Divertido! Mas lembre-se de praticar isso em um autódromo antes de assinar autógrafos nas guias de calçadas.
Câmbio. Apesar do câmbio ser uma caixa de dupla embreagem semi-automatizada, há horas que ela não age como tal! Se você deixar o carro no modo sport plus, nem pense em tentar cambiar as marchas – deixe o computador resolver tudo sozinho.
Neste modo, a resposta das borboletas atrás do volante sob condições de aceleração extrema é muito desobediente aos comandos do motoristas. Há um lapso de tempo considerável entre o toque na ‘borboleta’ e a troca de marchas. Para acertar a troca você tem que levar isso em conta e dar o comando quase 1000 rpms antes do corte de giros, caso contrário, prepare-se para o carro engazopar no redline e, de repente, lhe acometer com uma bela pancada na cabeça! Muito esquisito.
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Redline chegando??? Não toque na borboleta da direita… deixe o câmbio trabalhar sozinho… rs |
Por outro lado, se você realmente ficar na sua e deixar o câmbio trabalhar, as trocas de marcha são estupidamente rápidas, porém, sem o menor tranco ou sensibilidade de passada de marcha como, por exemplo, quando você observa o funcionamento da caixa PDK da Porsche no modo mais agressivo de pilotagem.
Sob condições tranquilas de uso, o câmbio da SLS é simplesmente sublime de tão confortável. Nem parece que o câmbio tem marchas de tão suave que são as trocas.
Visibilidade Externa. Este é um ponto que me incomodou um pouco na SLS. Considerando todo o desempenho do carro, muito embora o visual externo seja uma excelente releitura do clássico Gullwing, eu preferiria ter mais visibilidade do espaço que o carro ocupa.
Quando olho para frente, me resta admirar aquele longo capô sem fim. Olhar para os lados é lhe dá uma visibilidade razoável do que se passa lá fora. Olhar para trás? Melhor prestar atenção na câmera de alta definição que lhe mostra o que está passando no para-choque traseiro do carro.
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Cade a frente? |
Será esse sacrifício de visibilidade externa algo que compense em prol da beleza do visual externo do carro? Acredito que sim, contanto que você não seja um fanático por saber exatamente por onde andam os eixos traseiro e dianteiro do carro. Lembrando que na hora de conduzir em autódromos esse tipo de informação é essencial para aprimorar a tocada.
Conversando com muita gente que tem mais experiência com o carro do que eu, muitos me asseguraram que você se acostuma com esse aspecto da SLS. Agora, novamente, é sempre uma questão de entender a proposta do carro. Se o seu negócio é uma bela estrada, uma bela viagem, realmente, não duvido que seja fácil se acostumar com a SLS.
CONCLUSÃO
A questão toda quando o assunto é a SLS é entender qual o bendito propósito do carro! Se você esperar um carro completamente afiado e pronto para atacar track-days, tenho a ligeira impressão que você vai se desapontar um pouco.
Sob essa perspectiva, a combinação de um carro com um motor aspirado extremamente forte, que esbanja torque e resposta de pedais incrivelmente afiada, mas, por outro lado, com as dimensões, visibilidade externa e peso de direção da SLS, com um câmbio que não gosta de obedecer aos comandos do motorista e a tendência de desgarrar a traseira com certa facilidade faz da SLS um carro pouco preciso.
A Mercedes acabou de lançar a versão black series da SLS AMG, que promete ser um carro bem mais afiado e voltado para as pistas. Se o carro realmente aprimorar todos os aspectos mencionados acima, não tenho dúvidas que pode ser épico!
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SLS AMG Black Series |
Agora, se o seu negócio é viajar a bordo de um carro esportivo muito rápido, com muito conforto e refino, a SLS é um carro para se amar! Nesse sentido, retomo as palavras do meu amigo – “você precisa aprender a gostar da SLS”.
Não olhe somente para números – preço, HP e KGFM – quando comprar um esportivo. Você tem que dirigí-lo e sentir como é estar dentro do carro. Se você compreender a proposta do carro, fará uma excelente compra!
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2 comentários sobre “Mercedes Benz SLS AMG – A releitura de um clássico.”