Em 2006, a Audi chocou o mundo com a sua proposta de carro esportivo puro. Surgia o Audi R8. Originalmente, com motor V8, central, 4.2. Tração integral. Design extremamente à frente do seu tempo.
Não bastasse todo esse pacote, o carro ainda era extremamente versátil, muito bem acabado e refinado por dentro.
Era impossível negar que o modelo super esportivo da marca tinha na mira o Porsche 911, especialmente, o Carrera 4S. Na época de seu lançamento, a precisão e neutralidade do Audi R8 V8 faziam o concorrente de Stuttgart sentir um calafrio no pescoço.
Os anos passaram, os concorrentes se mexeram. Nada mais natural que surgisse uma versão um pouco mais forte. O R8 V10 entrou de cabeça no duelo entre Mercedes Benz SLS, Ferrari 458 Itália, Lamborghini LP 560-4, Porsche 911 Turbo 997.2 e Nissan GTR.
Visualmente, detalhes diferenciam as versões V8 e V10. A ponteira dos escapamentos, o difusor traseiro, rodas e outras sutilezas fariam do R8 V10 um carro distinto. Mecanicamente, o V10 entrega cerca de 100 cvs a mais do que o V8. São 525 Cvs a 8000 rpms e 55 Kgfm de torque a 6500 rpms.
0 a 100 Km/h em 3,7 segundos e velocidade máxima de 316 km/h. Porém, há potencial não explorado. Trata-se, basicamente, o do mesmo conjunto motriz da Lamborghini LP 560-4, com a diferença que o touro italiano rende 560 Hp.
Um grande amigo se viu diante desse dilema e resolveu ir em busca dos cavalos ocultos. O resultado é algo que já era muito bom, ainda melhor! Não bastasse isso, o câmbio também conta com um software atualizado, que aumenta a velocidade das trocas de marchas. Será que isso tudo valeu à pena?!
Vamos ao teste!
POR DENTRO DO R8 V10
Nos últimos anos, eu tenho insistido que a Audi tem se inspirado em seus interiores. Não bastasse a qualidade dos materiais, o design interno das cabines é bem interessante. É limpo e parece especial. Para o ano de 2011, está no melhor nível da categoria.
Prefiro marginalmente os materiais a bordo da Ferrari 458 Itália e da Mercedes Benz SLS, mas confesso que isso é um aspecto tremendamente subjetivo.
Os bancos desse R8 V10 que tive a chance de andar são excelentes. Talvez os mais confortáveis que já tenha experimentado nesse tipo de carro. Seguram muito bem os passageiros, mas são macios. Truque esperto da Audi. Como viria a descobrir dali a alguns instantes, o R8 é um carro baixo e com uma suspensão firme. Essa característica dos bancos disfarça muito bem os pulos e chacoalhadas que seriam clássicas para um carro desse gênero.
Trafegando tranquilamente, mesmo nas ruas mais esburacadas, conseguiria conviver muito tranquilamente com o Audi R8. Prefiro o conforto do R8 ao de um Porsche 911 Turbo. Talvez o Mercedes Benz SLS seja um pouco mais refinado nesse aspecto nos modos mais comuns do AMG Select Drive.
Ignição é dada da maneira “velha guarda” – chave canivete tradicional, com haste metálica. Você precisa fazer o hercúleo esforço de colocar aquele negócio velho e antiquado próximo à direção e torcer com força no sentido horário. Nada de botões chiques e sofisticados.
Modos de condução? Dois! Um normal e um Sport. Mais sobre isso na próxima parte desse review.
O R8 é um carro democrático. Seja você gordo, magro, alto ou baixo, o R8 lhe receberá muito bem. Não há o senso claustrofóbico que você encontra em um Mercedes Benz SLS. Há espaço para cabeça e para os lados. Os bancos elétricos ajustam-se da maneira que lhe for mais conveniente. Direção com ajuste mecânico de profundidade e altura.
É um carro muito inteligente. De fato um carro muito bem pensado e projetado.
DIRIGINDO O R8 V10
Ignição dada, começo a manobrar o R8. Carro equipado com o câmbio R-Tronic da Audi. A alavanca é extremamente simples. Você dá um tapa para esquerda, o modo automático está selecionado. Mexa para cima ou para baixo e o câmbio entra no modo manual. Se preferir, pode acioná-lo pelas borboletas atrás do volante.
Há um certo lapso de tempo entre você cutucar o acelerador e o carro andar. Lembra-me um pouco uma versão bem aprimorada daquilo que víamos nas primeiras Lamborghinis Gallardo equipadas com o câmbio E-Gear, que exigia a maior delicadeza do mundo nas manobras mais apertadas para evitar soluços e “totós”.
Assim como o E-Gear da marca irmã italiana, o R-Tronic é um câmbio manual automatizado de embreagem única. O ponto que mais me incomodava sobre esse câmbio eram os trancos a cada subida de marcha, que resultavam em um mergulho demasiado e perda de momento na performance do veículo. Falei bastante a respeito disso no meu teste da Lamborghini Performante há alguns anos e elogiei o quanto isso melhorou na Super Trofeo Stradale.
Quando andei no R8 V10 que testei pela primeira vez, era muito perceptível a presença desse tranco. O curioso é que ele ocorre de maneira contundente mesmo andando devagar. Nas reduzidas de marcha, o comportamento é liso, sem truculência, quase que como uma caixa de dupla embreagem, jogando os giros bem para cima no melhor estilo rev matching.
As respostas da borboleta atrás do volante no R8 V10 estão em um nível acima daquelas vistas em um Mercedes SLS. Elas não hesitam em responder ao motorista.
Buscando uma solução para esse tranco na trocas de marcha para cima, eis que surge uma atualização de software de câmbio. Com isso, as trocas de marcha tornam-se mais rápidas e mais suaves. Quer dizer que o trancos somem? Não. Eles continuam presentes, mas diria que cerca de 40% mais suaves. O carro deixa de perder momento na tocada.
Falado a respeito da atualização do software do câmbio, um outro aspecto que me encantou no R8 V10 é a simplicidade. Cada vez mais algo que busco nos carros que testo. Acho que virou uma baixaria você poder configurar tantas coisas na dinâmica de um carro esportivo.
Algo como se as montadoras dissessem: “Quer saber, nem nós conseguimos chegar a um consenso sobre o melhor acerto dinâmico, então, se vire com os 35 mil ajustes de suspensão, resposta de acelerador, câmbio e direção”. Sim, é legal, é fruto das novas tecnologias, mas é exagerado. Isso demanda muito tempo para acertar e pode gerar opiniões equivocadas sobre um carro.
No R8 V10, ali, logo abaixo da alavanca do câmbio, você tem um botão escrito “Sport”. Na prática, o que pude perceber é que o câmbio trabalha mais agressivamente no modo automático, o acelerador fica mais ágil e o carro responde de maneira mais afiada como um todo. Desligue-o e o R8 continua sendo um carro gostoso de andar, mas sem ser aquele porco letárgico buscando eficiência no consumo de combustível.
O motor é uma peça à parte. Nessa onda de carros sobrealimentados, onde você mal encosta no acelerador e já vem uma surra de torque e pancada na nuca a baixos rpms, ainda é gostoso você sentar a bunda em um V10 aspiradão. O V10 gira 9000 rpms com o remap de ECU. Não acontece muita coisa até os 4000 mil rpms. Se você estiver dirigindo um R8 V10 em marcha alta abaixo dessa marca de rpms, você vai tomar um senhor susto de carros menos potentes, porém, com mais torque.
As coisas ficam interessantes nos 4000 mil rpm e pouco acima dos 5000 rpms, vem a agressividade que se espera e não para até os 9000 mil rpms. Brincar com esse V10 entre 6000 rpms e 9000 rpms é delicioso. Lembra muito o comportamento do V10 BMW, que é parecido em cilindrada. Quando você bota isso em um conjunto mais leve, como o do R8 V10, é excepcional.
A única coisa é que me deixou um pouco desapontado quanto a esse conjunto não é bem o motor, mas sim o ronco. Por fora, é muito bacana quando o V10 passa gritando. De dentro, eu esperava algo mais agressivo. É um pouco abafado demais para o meu gosto. Nada que um escape aftermarket bem feito não resolva com louvor.
Mas se você acha que o R8 V10 é um carro interessante na reta é por que não viu do que ele é capaz em curvas. Há alguns anos atrás, participei de um track day e tive a oportunidade de acompanhar um Audi R8 V8 por algumas voltas. Na época, lembro-me vividamente o quanto me impressionei com a velocidade que o Audi ganhava velocidade no meio de curva. Enquanto outros carros obrigam você a ser mais cuidadoso na hora de dar acelerador, o R8 permitia um nível de insolência com o pedal da direita que outros carros apenas poderiam sonhar.
Na prática, dirigindo o R8 V10, como é que isso funciona? Simples! Graças a tração Quattro, você estabiliza o seu traçado e começa a dar acelerador. Você esperaria que em algum momento o carro fosse sair de frente ou de traseira, mas não. A velocidade apenas aumenta. Mesmo quando você resolve fazer um movimento mais agressivo, o R8 V10 responde com uma neutralidade que jamais senti em minha vida em nenhum carro esportivo.
Esse talvez seja o aspecto mais incrível do R8 V10 – a neutralidade e segurança que ele transmite em circunstâncias nas quais outros carros já estariam dando sustos nos motoristas. Confesso que não consegui descobri se no limite o R8 V10 é um carro que esparrama a frente ou solta a traseira. É um carro que permite tamanha insolência atrás do volante que chega a lembrar, por exemplo, o comportamento de um Porsche Cayman. Você sobe no acelerador quando lhe interessar e ele se encarrega de resolver as coisas, mas não de uma forma eletrônica ou digital, como se lhe fosse negada a experiência mecânica.
CONCLUSÃO
Se o Audi R8 V10 é incrível por um lado, por outro, talvez, acabe sendo um pouco frustrante, pois não há aquele fator “puta que pariu”. Se há um carro que gosto de compará-lo, é o Mercedes Benz SLS. São muito parecidos em preço. Ambos são alemães. Porém, não podiam ser mais diferentes em personalidade. No papel, você juraria que o SLS é o carro mais civilizado e dócil, afinal, é um GT, enquanto que o R8 é um motor central. Não poderia ser mais diferente.
A cada cutucada mais incisiva de acelerador, o SLS faz questão de mostrar todo o torque ali nos 2000 e poucos rpms, o que resulta em um comportamento extremamente arisco, com rabiscadas de traseira com extrema facilidade. O R8, por outro lado, demanda que você ordenhe o motor acima dos 5000 rpms para mostrar a que veio. O Audi é preciso e cirúrgico, sem perda de tração ou eficiência.
O SLS tem uma das direções mais precisas e diretas que já experimentei em um carro esportivo, mas é um pouco leve e artificial. O R8 já tem um conjunto mais “velha guarda”, hidráulico, que tem peso e sensibilidade perfeitos para a proposta do carro, porém, um pouco menos direto que o do SLS, apesar da coluna de direção mais curta. A direção do R8 faz um papel muito melhor de ler a via por onde se trafega que o AMG.
O câmbio de dupla embreagem do SLS é mais rápido e eficiente, mas as respostas aos comandos do motorista nas borboletas sem a atualização de software são péssimas. O câmbio do R8 é mais lerdo, até pelo fato de ser de única embreagem, mas interage melhor com os comandos do motorista.
No final do dia, o R8 é um carro esportivo mais puro que o SLS, mas será mais divertido e emocional? Páreo duríssimo na minha opinião. Recentemente, eu dirigi um SLS, que foi do mesmo dono do R8 V10 testado. O carro estava com atualização do software de câmbio, de maneira que aprimorou incrivelmente a interatividade com o carro. Até hoje eu penso nesse SLS, daquele jeito.
Seja R8 V10 ou SLS, a conclusão que chego para ambos os modelos é que eles têm tanto mais a oferecer do que quando saem originais das concessionárias. Chego ao ponto de dizer que são carros completamente diferentes do OEM spec com ligeiras calibragens atualizadas de câmbio.
Para quem procura um primeiro super esportivo, as sensações mecânicas do R8 V10 juntamente com o comportamento dinâmico extremamente neutro e seguro certamente fazem dele uma escolha sensata. Você certamente vai aproveitar a performance que o carro tem a oferecer e ainda vai ter aquele “pacote completo” em termos de visual e exclusividade.
Não chego a dizer que foi o melhor carro esportivo que já dirigi ou o que mais marcou, mas é um carro que corresponde a todas às expectativas. Tudo que se espera de um carro desse tipo está lá – visual, performance, acabamento e uma pitada de emoção. A questão é que para quem espera algo “fora da curva”, além das expectativas, talvez o R8 V10 seja um pacote civilizado demais.