Goste você ou não de Porsches, é preciso respeitá-los, especialmente quando se trata de um 911 com a alcunha “Turbo” na traseira. Há muito tempo digo que esse é o carro de verdade mais rápido do mundo.
De um carro que começou em 1974 com tração traseira, câmbio manual de quatro marchas e cerca de 260 cvs, o 911 mais rápido que você pode comprar hoje é o modelo 991 Turbo S, com tração integral, rodas traseiras esterçantes, freios de cerâmica e câmbio de dupla embreagem. Com a ajuda do controle de largada, o atual Turbo S pode fazer o quarto de milha (400 metros) na casa dos 10 segundos baixos e o 0 a 100 km/h em menos de 3 segundos.
Ok, você poderia argumentar em prol da existência dos supercarros como Koenigsegg, Bugatti, Pagani, entre outros. Porém, a não ser que lhe sobre muito dinheiro para gastar alguns milhões de reais em algo desse nível, nunca houve opção mais barata, tão rápida e confiável quanto o Porsche 911 Turbo.
Talvez o Nissan GTR. De fato, é uma menção honrosa, mas se um dia ele foi muito mais barato que o 911 Turbo, tão confiável quanto certamente nunca foi.
De todas as gerações do 911 turbo que tive a chance de dirigir e andar até hoje (falta a 964 e aceito convites, rs), sem dúvidas, cada uma delas tem o seu traço distinto. Na realidade, o Turbo, assim como todo 911, sempre foi um trabalho em progresso.
- No 930, uma única turbina e tração traseira, inicialmente com 4 marchas e, depois, com 5. Na 964, surge o primeiro “Turbo S”.
- Na geração 993, inaugurou-se a tração integral, dando-lhe ainda mais “chão” e segurança, bem como o par de turbinas.
- Na 996, o motor Mezger 3.6, 6 cilindros boxer, recebeu refrigeração a água, lidando melhor com o aquecimento, poluindo e consumindo menos.
- Na 997.1, já em 2006, a marca introduziu as turbinas de geometria variável, aprimorando a questão do turbo lag, subindo novamente potência e torque.
- Na 997.2, aposentou-se o Mezger e surgiu o motor 3.8 DFI (injeção direta de combustível), casado com o câmbio PDK de dupla embreagem.
Há uma aura muito especial em cima do Porsche 911 Turbo 997.1, pois ele representa o apogeu de tudo o que a Porsche fez certo com o 911 Turbo por, pelo menos, 30 anos. Isso se deve essencialmente ao motor Mezger, derivado das corridas e adaptado para as ruas.
De maneira alguma isso quer dizer que o DFI do 997.2 e 991 é ruim, muito pelo contrário. É bem provável que falaremos bem dele daqui uns bons 20 anos também, mas ainda é muito cedo para colocá-lo no mesmo panteão do antigo motor.
Vamos ao que interessa! Ao carro avaliado!
O PORSCHE 911 TURBO 997.1
Como adiantado, lançado em 2006 no Salão de Genebra, a Porsche aproveitou para mostrar sua mais nova tecnologia: as 2 turbinas de geometria variável BorgWarner. O motor 3.6, 6 cilindros em boxer, é basicamente o mesmo que equipava a antiga geração 996, só que, com as novas turbinas, o 997.1 Turbo rende original 480 Cvs e 63 Kgfm de torque.
Há duas versões: o coupé e o conversível. As opções de câmbio eram a manual de 6 marchas ou Tiptronic. Sport Chrono Pack era um opcional que elevava a pressão nas turbinas por alguns momentos (overboost) e, no Brasil, até onde eu sei, não há carro importação oficial sem ele.
Freios de cerâmica também eram opcionais (PCCB) e custavam uma fortuna (custam ainda – cerca de 13 mil dólares o kit).
Não houve Turbo S para o 997.1, cuja produção foi encerrada em 2009.
O carro que dirigi era um Turbo 997.1 2006, com todos os opcionais imagináveis à época. Interior terracota, freios de cerâmica, cintos amarelos… o que era disponível estava lá. Câmbio manual! Nada contra quem queira optar pela caixa Tiptronic, mas é importante lembrar que, apesar de mais rápida no 0 a 100 km/h, acima disso o manual passará por cima e, do ponto de vista de mercado, carros com essa caixa desvalorizam mais e demoram para vender. Hoje em dia, o PDK substituiu com louvor o antigo Tiptronic (uns dirão também o manual, mas isso é assunto para outro post).
Com o câmbio manual, a Porsche declara que o 0 a 100 km/h era feito em cerca de 3,9 segundos e a velocidade máxima de pouco mais de 310 km/h. Como de praxe, números conservadores. A Porsche realmente gosta de declarar os piores resultados de rendimento obtidos em seus testes.
POR DENTRO DO 997.1 TURBO
Você está a bordo do “Turbão”, o 911 mais foderoso de rua à disposição (vamos esquecer as versões semi-pista por um momento). De que maneira ele difere de um Carrera por dentro? Exceto pelo “turbo” escrito no meio do conta-giros, não vi nenhuma outra diferença relevante.
O que eu gosto mesmo quando entro nos 911 997 é que eles são simples, sem complicações. Não há confusões, milhões de ajustes ou gadgets. Tudo muito fácil e intuitivo. Os materiais e o acabamento foram tremendamente melhorados em relação ao 996. Tudo parece firme e bem colocado, sem fragilidades.
A visibilidade externa é tranquila como em qualquer carro de passeio comum. Para aqueles acostumados com Lamborghinis, Ferraris etc., sem dúvida alguma, é uma aula de ergonomia e usabilidade. Se por um lado isso é positivo, por outro lado outros poderão insistir que talvez a cabine não seja um local tão especial como em outros carros esportivos. Eu até entendo esse argumento. Acho justo, mas não podemos nos esquecer que a ênfase dos Porsches é na dirigibilidade.
A TOCADA do 997.1 TURBO
Se até o momento que você entra no carro, ajusta o banco, a posição da direção e os retrovisores, tudo parece “um pouco ordinário demais”, na hora que você pisa na embreagem e freio, dando ignição pelo lado esquerdo, também não acontece muita coisa. Nada de roncos graves e melódicos. Tudo muito sútil e silencioso. Realmente, para quem não conhece, custa a acreditar estar a bordo daquilo que chamo o carro mais rápido do mundo de verdade.
Embreagem pesada? Não. Um pouquinho mais resistente que a do típico carro de passeio. Curso um pouco longo. Tão leve quanto a de um Porsche 911 Carrera. Muito menos pesada que a de um 911 GT2 ou GT3. Qualquer um que tenha o mínimo de intimidade com um carro manual acha o ponto certo.
Os engates do câmbio são curtos, lisos e fáceis também.
A direção não é leve, nem pesada. Hidráulica! Excelente sensibilidade das condições da via sem sacrificar o uso comum.
Caramba?! Isso é um carro esportivo de primeira linha mesmo? A essa altura, os concorrentes italianos já teriam dado todos os sinais de quão especial você é por ter pago tão caro em um carro.
Por sorte, o local do teste se aproximava. Um local deserto, próximo a uma base aérea. Estradinha vicinal particular. Motor quente. Chegou a hora de provocar o pedal da direita.
Quando os giros passam um pouco acima dos 3200 rpms, você gruda no banco como se algo tivesse socado o seu peito. Os giros sobem com vigor na primeira marcha até o corte nos 6500 rpms. Segunda marcha, o giros caem com o motor e as turbinas enchendo! Terceira marcha, aproveito para não deixar o carro chegar tão perto do corte e passo cerca de 200 rpms antes para evitar a murchada das turbinas! Quarta marcha e emendo um sonoro “puta que pariu”. Não é possível o fôlego disso! Vou até o final da quarta marcha. Adrenalina bombando. Coração na boca!
Resolvo acalmar um pouco os ânimos e manter-me por um tempo em quinta e sexta marchas, saindo de cerca dos 2000 rpms. Vamos ver a elasticidade desse motor. Independentemente da marcha, para minha surpresa, a hora que os giros passam dos 3000 rpms, a festa começa de novo. Ou seja, na estrada, nada daquilo de reduzir uma ou duas marchas, coisa típica de carros aspirados, basta flertar com o pedal direita para ver a paisagem embaçar.
Entendi! A Porsche nunca quis lhe impressionar pelo ronco… pelo visual… pelo interior exótico. Com o 911 Turbo 997.1, o negócio é pancada no peito, barulho das turbinas sugando todo o ar possível e velocidades absurdas em um curto espaço e tempo. Se não fosse pela sensação do torque e pressão no corpo nas puxadas mais violentas, você não acreditaria na velocidade que está.
A tração integral dá um chão ao carro que é fenomenal. Junto com a direção hidráulica, você consegue ler muito bem por onde está trafegando e o limite de aderência. É a combinação perfeita para andar forte, em um nível que outros carros apenas podem sonhar. Isso não quer dizer que a frente não é nem um pouco leve, mas definitivamente a do 911 Turbo é mais pregada que a do clássico Carrera S. A direção tem o nível de resposta e peso excelentes em altas velocidades.
Realmente, a Porsche sabe fazer um esportivo focado em desempenho, apesar de muitos criticarem aquela sensação de frente “passarinhando” em altas velocidades.
No quesito freio, é como sempre digo: se você acha que Porsche é bom na hora de acelerar apenas, é porque ainda não viu frear. O legal dos freios PCCB é que eles atingiram um nível de performance que não tem nada a ver com os antigos conjuntos de cerâmica tradicionais. Assim como disse no review do GT3, os freios PCCB funcionam praticamente como freios comuns de aço em termos de poder de frenagem e sensibilidade quando frios. Porém, para você que gosta de andar em velocidades proibitivas o tempo todo, a capacidade de frear com um conjunto de cerâmica sempre foi muito bem vinda. PCCBs e Porsche 911 Turbo casam perfeitamente.
O alinhamento dos pedais, banco do motorista e direção é perfeito como em todo Porsche 911 997. Perfeitos para os punta- taccos, que jamais serão emocionais como em uma Ferrari, mas certamente trarão um equilíbrio nas entradas de curva que será muito bem vindo. Tudo aqui é função antes de forma.
É nisso que o 997.1 Turbo é bom! Em lhe impressionar todas as vezes que você afundar o acelerador e provocar seus limites. A adrenalina é uma coisa que vicia. Por isso que muitos donos de 911 Turbo ou GT2 sempre dizem que uma vez que você compra um carro com os “secadores”, você não consegue voltar a ter um aspirado.
Acho que nunca senti tanta adrenalina ao afundar um pedal da direita como no 997.1 Turbo. Ok, o 997.2 Turbo é certamente mais rápido e lhe pressiona ainda mais contra o banco nas puxadas graças ao Launch Control e o câmbio PDK, mas a sensação de cambiar as marchas e estar em 100% do controle disso tudo é, sem dúvidas, algo que um Petrol Head tem que experimentar.
CONCLUSÃO
Quer dizer que o 911 997.1 Turbo é o carro esportivo perfeito e dos meus sonhos? Sim e não. Primeiro, precisamos enxergar a sua proposta, que é ser visceralmente rápido. Um carro que vai lhe levar do ponto A ao B em velocidades de cruzeiro absurdas, com tremenda segurança e com a versatilidade clássica de um Porsche 911. Há força suficiente para sumir na frente de muitos V8s e V10s alemães com tranquilidade, a ponto de deixá-los envergonhados.
Porém, há uma demasiada frieza em tudo que o 997.1 turbo faz que você começa a indagar se há outra coisa ali. A melhor maneira de explicar isso é: falta um senso de ocasião no 911 Turbo 997.1 que os outros concorrentes, embora piores em termos de desempenho ou confiabilidade, têm de sobra.
Tudo é muito certinho, perfeito e rápido. O carro é versátil, usável e monstruoso em performance.
Eu acredito fundamentalmente que um carro desse nível tem que fazer você se sentir especial em todos os sentidos, não somente quando está com o pedal da direita pressionado. No meu caso específico, se eu não tivesse medo de dar quilometragem em um carro desse nível e viajasse muito!? É, sem dúvidas, o melhor esportivo que seu dinheiro pode comprar por diversas razões:
– Desempenho visceral.
– É um carro que não lhe cansa nem um pouco. Aquele ronco abafado pelo “sopro das turbinas” é tremendamente bem vindo depois de uma hora de estrada.
– A autonomia é incrível.
– A cabine é espaçosa e a visibilidade externa excelente.
A hora que você achar que está tudo muito calmo e civilizado, basta cutucar o pedal da direita para tomar um “shot de adrenalina”.
Eu sei que muitos Porscheiros e amigos vão me xingar ao ler isso, mas o 911 997.1 Turbo (ou qualquer 911 Turbo) é uma tremenda máquina de performance. Uma incrível aula de engenharia automotiva. Porém, eu realmente acho que falta aquela “parte intangível”.
Certamente o meu sonho de ter um Porsche 911 Turbo não morreu, mas acho que agora consigo respirar mais sossegado e menos ansioso sabendo que ainda há espaço e tempo na minha vida para curtir um bom e velho aspirado.
Talvez, na minha escala evolutiva, um GT3 ainda faça mais sentido. A combinação de sentir a linearidade da curva de performance nos RPMs, cominado com um belo câmbio manual e um ronco delicioso ainda apelam mais para mim do que a embriaguez de adrenalina proporcionada pelo turbo. Ainda prefiro a conexão que tenho com a máquina no GT3 do que a frieza da quantidade titânica de performance do turbo.
Na década de 1980 existiu uma revista de nome Motor3. Além de ser diferente por abordar também náutica e aviação, tinha nos seus textos o grande diferencial. Era uma revista feita por e dirigida a entusiastas. Lendo seu texto pude jurar estar lendo um dos meus exemplares. Parabéns Korn.