Na cama de um quarto da pequena cidade de Affalterbach, Alemanha, um casal de meia idade convesa. É claro que o clima não é bom. Se fosse, eles estariam; Alternativa A: fumando descabelados com um sorriso no canto do rosto; Alternativa B: dormindo; Alternativa C: assistindo uma comédia romântica.
Não, após meses sem Rudolph procurar Olga para ter uma relação, ela resolveu discutí-la com ele. Assim que Rudolph se deitou, Olga disse fria e objetiva como toda alemã que se preze:
– Você perdeu o interesse por mim. É outra mulher?
– Não.
– Todo dia, você chega em casa cantarolando com um sorriso no rosto, me dá um beijo, pergunta como foi meu dia, mas não quer saber de mim. Não é possível. Você anda tendo prazer fora de casa.
Rudolph olha para cima, dá um suspiro e balança a cabeça em tom afirmativo.
A esposa altera o tom de voz para o de mulher traída.
– Então você admite que é outra mulher!?
– Não é outra mulher.
– Duas mulheres!?
– Não.
– Um homem! Pior ainda!!!
– Não, não é nada disso.
Ele suspira fundo mais uma vez e explica.
– Há dois meses atrás, a fábrica da AMG aqui da cidade me convidou para um test drive. Não queria, mas todo mundo do escritório foi e eu acabei indo para não ficar chato. No começo, eu estava lá apenas para cumprir tabela. Até que olhei pra um carro. Achei bonito. Só isso. Nada de mais. Todo mundo tem esse direito, não tem!?
Faz uma pequena pausa e continua:
– Okay. Não era bonito, era lindo. E quer saber? No começo eu flertei com ele. Mas não pretendia chegar aos finalmente. Só que o vendedor era habilidoso. Ele abriu a porta, me fez sentar no banco, sentir o couro macio e a forma ergonômica envolver meu corpo. Continuei firme. Até que ele ligou o motor. Aquele ronco acelerou meu coração como eu não sentia desde a primeira vez que saímos. Foi então que eu coloquei as mãos no volante de alcântara e fomos para o test drive. Era apenas uma sensação maravilhosa e controlável até que pegamos a autobahn e… Meu Deus!… Foram 15 minutos sem tirar o pé do fundo do acelerador… Bom, o resto você pode imaginar. Comprei o carro e o tenho guiado em segredo todos os dias. De manhã, na hora do almoço e a tarde.
– Puxa, então é só um carro!
– Este é o problema. Não é só um carro. É viceral. É emocionante… bem… Diziam que eram melhores que sexo…. Eu nunca acreditei até dirigir….
– Melhor que sexo comigo?
– Melhor que sexo.
– Melhor que sexo com a Heidi Klun?
– A versão Black Series com certeza.
Olga fez as malas e saiu de casa. Mas jurou vingança. Na escala de ódio de uma mulher traída, pior que ser trocada por outra mulher, é ser trocada por outra mulher mais feia. Pior que ser trocada por outra mulher mais feia é ser trocada por outra mulher mais bonita. E a escala vai evoluindo por 348 níveis até chegar naquilo que é pior que ser trocada pelo Poker na Internet: ser trocada por um motor a explosão.
O caso de Olga não foi o único. Houveram vários na região da Bavária, lar da divisão Motorsport da BMW e em Stuttgart, terra dos Porsches. Depois, o fenômeno se espalhou pela Inglaterra, onde o epicentro foi a cidade de Norfolk, terra da Lotus.
Sabe-se que Olga, uma inglesa chamada Nancy e outra gemânica de nome Greta fundaram uma organização secreta cuja o único ideal é a vingança cruel e sádica à toda raça humana que venera motores com mais cavalos que um haras. Esta organização com fins destrutivos foi batizada com as iniciais das três. Nascia a O.N.G.
Como Olga, Nancy e Greta não tinham mais marido para se preocupar, o tempo para pensar maldades era abundante. Não demorou muito até elas terem a idéia mais venenosa desde o gás Sarin. A O.N.G. se dedicaria a acabar com o prazer ao dirigir sob o pretexto da proteção ambiental. Brilhante. Afinal, a emissão de poluentes sempre foi o calcalhar de Aquiles dos big blocks esportivos.
Em anos de trabalho, a O.N.G. já conseguiu milhões de seguidores, bilhões de em doações e centenas de normas governamentais que limitam cada vez mais as emissões. Se não fosse pelo brilhantismo de engenheiros que trocam finais de semanas com suas famílias por noites no trabalho desenvolvendo motores menores porém potentes, câmbios mais eficientes e conjutos mecânicos que beiram a perfeição, a O.N.G. já teria triunfado e você estaria guiando um esportivo tão emocionante quanto um aspirador de pó.
Mas não se engane. A O.N.G. praticamente já matou o V12 e o V8 aspirado. A bola da vez agora é qualquer bloco com mais de 4 litros e os 6 cilindros. Graças aos céus existem os turbos que tem permitido aumentar a cavalaria e o torque mesmo reduzindo o tamanho do propulsor e suas emissões. Porém amigo, não se surpreenda se, daqui alguns anos, aparecer um estudo científico provando que o som da turbina afeta o ciclo reprodutivo da mosca da banana pondo em risco toda a vida na Terra. Sim, a O.N.G. tem tantos limites quanto uma mulher traída.
Sensacional o texto Korn, muito criativo e específico, minha namorada leu e fingiu que entendeu, alguns amigos leigos também, mas quem sabe o que você está falando curtiu e aplaudiu como eu, gosto muito dos seus textos e reviews, apesar de acha-los longos e com detalhes dispensáveis, porém não perco nenhum.
Forte abraço!