Não há como negar – eu sempre tive preconceito com carros americanos, especialmente os modernos. Acabamentos simples e cheios de plásticos duros. Falta de refino nos chassis e suspensões. Peso elevado. Falta de sensibilidade ao volante. Câmbios automáticos da pior espécie possível.
Porém, se há uma coisa em os esportivos americanos são imbatíveis é no motor e performance pelo preço cobrado. Não vou entrar no mérito se os motores são (ou não) tecnológicos o suficiente para os padrões contemporâneos. Acho esse debate meio sem propósito.
Portanto, quando tenho a oportunidade de avaliar um esportivo dessa escola e me deparo com um carro brilhante em muitos aspectos, nada mais natural que fique surpreso. Esse é o caso do Mustang Shelby GT 500 2010.
O MUSTANG SHELBY GT500
Com o intuito de não tornar esse review demasiadamente longo, resolvi fazer um corte na história do Mustang Shelby GT500 e começar pela sua releitura mais recente, encarnada na geração do Mustang lançada em 2005. A partir de 2006, já como ano modelo 2007, a Ford e a Shelby retomaram sua parceria para lançar o emblemático GT500. O carro vinha equipado com um motor dianteiro, 5.4, V8, com compressor, que rendia 500 Hps e 66 Kgfm de torque. Tudo isso despejado no asfalto por meio das rodas traseiras. O câmbio era manual, com 6 marchas. Chassi, suspensão e freios aprimorados pela Special Vehicle Team (SVT) da Ford.
Em 2010, o então GT500 teve seu primeiro facelift, adotando o novo design mais limpo dos demais modelos da gama do Mustang. As mudanças não pararam por aí e o bloco do motor, de ferro, ficou mais potente – 540 Hp e 70 Kgfm de torque. A SVT aprimorou ainda mais a suspensão e as rodas passaram de 18″ para 19″. O consumo de combustível melhorou e o Shelby passou a contar com sensores mais aprimorados para medir a qualidade do combustível utilizado.
Para 2011, mais uma vez, a Ford resolveu atualizar o GT500. Dessa vez, saiu de cena o bloco de ferro e entrou no lugar o bloco de alumínio, também 5.4 e V8, mas cerca de 45 kgs mais leve. A potência subiu mais 10 Hp e torque ficou praticamente o mesmo – 550 Hp e 70 kgfm de torque.
Não satisfeitos, a Ford lançou em 2013 a mais sensacional repaginação mecânica do Shelby GT500, tornando-o o Mustang mais potente a sair de fábrica da história. O motor de alumínio ampliou sua cilindrada de 5.4 para 5.8. Juntamente com o supercharger, o Shelby GT500 2013 produz 662 Hp e 87 Kgfm de torque. A velocidade máxima declarada é de 325 Km/h. O peso do conjunto ficou na casa dos 1750 Kgs. Nesse modelo, as bombas de combustível, sistema de resfriamento, intercooler, embreagem, câmbio, freios, suspensão e aerodinâmica foram aprimorados. Foram incluídos o launch control e um modo de controle de estabilidade ajustável em 4 modos, até então inexistentes no GT500. Havia também a possibilidade de se adquirir um performance package, que incluiam suspensão Bilstein ajustável, freios Wilwood e um diferencial ainda mais agressivo. Esse modelo era capaz de fazer de 0 a 100 km/h em cerca de 3,7 segundos e fazer o quarto de milha em 11,6 segundos, marcas até então inimagináveis para um GT500 “original”.
O carro que tivemos o prazer de dirigir no Amigos Por Carros é um GT500 2010, portanto, 5.4, V8, superchager, ainda com o bloco de ferro. A marca do 0 a 100 Km/h é feita em cerca de 4,5 segundos. O quarto de milha em aproximamente 12,6 segundos.
DIRIGIBILIDADE
O GT500 2010 não é exatamente um carro pequeno, muito menos leve. O peso na casa dos 1800 kgs joga fortemente contra. O motor fica bem em cima do eixo dianteiro, o que torna a frente do carro pesada. O resumo é que você sente que está a bordo de um carro com grandes dimensões. Porém, para minha surpresa, o carro passa a impressão de agilidade. A razão disso, obviamente, vem das quantidades titânicas de torque desde os mais singelos dos torques no acelerador. Isso não quer dizer de maneira alguma que o GT500 está “em casa” em estradas vicinais ou autódromos, mas dá confiança suficiente para o motorista se divertir.
O GT500 é daqueles carros “estupre-me na reta e me acaricie nas curvas”. Definitivamente não é o tipo de carro que quer entrar muito “cheio” nas curvas. O “nariz” pesado e a quantidade de torque são receitas perfeitas para os inexperientes irem reto nas curvas mais fechadas. Vá com calma, entre “liso” nas curvas e assim que a frente travar, qualquer cutucada no acelerador deve lhe garantir boas doses de borracha queimada.
Em termos de direção, surpreendentemente em relação ao tamanho e peso do carro, as respostas são extremamente diretas. Se você agir com educação sobre o pedal da direita, é possível colocar o GT500 exatamente aonde você quer na pista. A direção poderia ser um pouquinho mais pesada e o carro poderia transmitir um pouco mais ao volante as condições do asfalto. Nada que chega a incomodar, muito pelo contrário.
Os pedais de acelerador e freio são excelentes. Tudo feito de maneira bem analógica e com tempo de resposta excelente. Notem, assim como no review que fiz sobre o Mustang GT V6 2011, o Shelby continua a manter um dos traços mais valiosos a seu respeito – a simplicidade.
Não há modos variados de condução ou a hipótese de se configurar as respostas dos pedais e direção ou a rigidez dos amortecedores. Se você começar a andar forte, o Shelby GT500 entenderá a mensagem e acionará automaticamente o modo mais agressivo de pilotagem. O único botão sob o comando do motorista nesse sentido é o de controle de tração.
A suspensão poderia ser mais refinada, mas, honestamente, está mais do que adequada para a proposta do carro. Se você quer um carro afiado, parta para a versão Boss do Stang, que é definitivamente o track attacker mais apropriado da linha. O GT500 é um carro feito para você afundar o pé na linha reta. A pancada do torque, o “choro” do superchager, o ronco do V8 americano, a busca insandecida por tração saindo da imobilidade e a forma como o carro engole uma marcha atrás da outra são aspectos incríveis. É viciante em todos os sentidos. Nessas condições, os freios dão mais do que conta do recado.
O câmbio manual é um espetáculo a parte no modelo que dirigi, pois o carro está equipado com o short shifter, que torna o curso dos engates de marcha mais curto, porém, mais pesados. Engatar marchas exige força e precisão, mas assim que você aprender, muito mais recompensador do que qualque manopla de câmbio com engates longos e macios. O alinhamento dos pedais é perfeito e fazer um punta tacco é ridiculamente simples.
Sem tem um aspecto que eu não gostei muito foi a posição de dirigir. Primeiro, o motorista senta numa posição demasiadamente alta. Segundo, a direção não tem ajuste de profundidade, apenas de altura. Encontrar a posição adequada foi meio difícil – um pouco mais para frente e meus joelhos encostavam no console central; um pouco mais para trás e meus braços ficavam muito esticados. Se por um lado a posição de dirigir alta incomoda, por outro, ajuda a enxergar a frente do carro, que tem proporções continentais.
ACABAMENTO E ERGONOMIA INTERNA
Se na parte mecânica, a simplicidade cativa e é um dos grandes triunfos do carro. Por dentro, um pouco mais de carinho e atenção aos detalhes seria bem-vindo.
Não vou chegar ao ponto de dizer que o Shelby é ruim por dentro. Porém, um veículo desse tipo, com toda essa performance, poderia utilizar materiais mais nobres dentro. São plásticos duros espalhados pelas portas, painel e console central que parecem ter vindo de modelos mais baratos da Ford.
O banco é revestido de couro, mas está mais para uma poltrona de sala, do que para o banco de um carro esportivo. Menção honrosa à aplicação de alcântara no volante.
Agora, se você compra um esportivo americano esperando refino no acabamento, sinto informar, mas começou procurando esse tipo de coisa no carro errado.
Em termos de ergonomia, eu gostei de como o painel e os comandos para o motoristas são simples. Tudo muito fácil e intuitivo. Eu desafio qualquer um a precisar do manual do proprietário para qualquer coisa.
CONCLUSÃO
Carros norte-americanos nunca foram ou serão complexos em termos de tecnologia. Caso fosse de outra forma, seria ofender todo o legado construído nos últimos 100 anos da história do automóvel. A simplicidade, a pureza, ausência de refino e brutalidade são predicados únicos de carros esportivos dessa escola automotiva.
Há quem torça o nariz para isso. Eu mesmo nunca fui um grande admirador dos carros da terra do Tio Sam. Porém, é como eu sempre digo, para avaliar um carro, é necessário olhar para a sua proposta. Dentre os muscle cars norte-americanos, por hora, nada compete com o Stang, especialmente se for um Shelby GT500. O Hellcat está aí para desafiar a coroa do pony da Ford.
Aliás, arrisco dizer que o Shelby GT500 não é apenas bom comparativamente aos demais esportivos norte-americanos, mas sim um carro que entretem e que é legitimamente bom. Você não precisa se preocupar em ajustar a resposta dos pedais, a rigidez da suspensão ou a precisão da direção. Basta dar ignição e dirigí-lo como qualquer outro carro comum. Isso é louvável em um mundo moderno onde as montadoras acham que todos são experts tecnologia.
Porém, o fato de ser fácil de botá-lo para funcionar, não significa de maneira alguma que o Shelby GT500 é um carro que pode ser subestimado. Da mesma forma que trafegando com segurança ele pode ser dócil, cutucá-lo na hora errada pode torná-lo agressivo o suficiente para colocar os mais desavisados em situações perigosas.
Não espere muito acabamento e ergonomia interna, apenas o mínimo para não distraí-lo da parte mais importante, que é afundar o pedal da direita e ouvir aquele ronco juntamente com o “choro” do supercharger.
Showww, fico muito legal o artigo !